quinta-feira, janeiro 04, 2007

Não queria escrever mais sobre isto...

Emagrecer, nem que isso me mate

Tratam-se por annas e mias e têm um objectivo em comum: emagrecer. Não consideram a anorexia e a bulimia como doenças, mas sim como um estilo de vida, embora, muitas vezes, esses comportamentos as levem à morte.

A coberto do anonimato, rapazes e raparigas, alguns com apenas 13 anos de idade, juntam-se em comunidades virtuais e partilham experiências, truques para perder o apetite, provocar o vómito, enganar os familiares e amigos e de como suportar ficar dias sem comer. «Ajudem-me, por favor. Tenho 1.60m de altura e 49 quilos. Quero 37 quilos!!!! Preciso de ajuda!». Este apelo desesperado é um exemplo dos muitos que circulam nestes sites.

Thayrinne Machado Brotto, a jovem brasileira que morreu este domingo na sequência de uma bulimia, participava em algumas destas comunidades virtuais e na sua página pessoal anunciava reuniões de Annas e Mias, que se realizavam todas as noites através do Messenger.

Com uma simples pesquisa na internet foi possível encontrar vários desses sites. A maioria direccionada para raparigas, mas também há alguns para rapazes. São sobretudo páginas espanholas e brasileiras, mas há portugueses que os frequentam e também começam a surgir sites pró-anorexia e pró-bulimia em Portugal.

Fotografias de mulheres magras, sobretudo manequins e actrizes, não faltam. Kate Moss e Victoria Beckham são as maiores «inspirações». Estes são os modelos a seguir, os objectivos de vida das autoras dos sites. Também não faltam imagens de mulheres excessivamente gordas, o pior pesadelo das annas e das mias.

Aliás, colar fotos de pessoas muito magras e muito gordas no frigorífico e no espelho é um dos conselhos dados para manter a força de vontade e aguentar as privações e sofrimentos da anorexia e da bulimia. «Lembra-te do objectivo final: ser magra. Ninguém vai gostar de ti se fores uma vaca gorda», diz um dos sites.

Jogar com a baixa auto-estima das pessoas com distúrbios alimentares é aliás uma das armas destes sites. «Se emagreceres vais poder ver os teus lindos, lindos ossos», «as modelos que todos admiram são lindas, a imagem falada da perfeição. Elas são gordas? Não!», «pessoas gordas atraem pessoas gordas. Queres que porcos gostem de ti porque és igual a eles?», «as pessoas gordas são enormes, mas mesmo assim, as pessoas olham para elas como se não existissem. Já viste alguém não reparar em um esqueleto ambulante?».

Sugestões de dietas também não faltam. Além da contagem criteriosa das calorias, é possível encontrar planos alimentares em que as refeições principais são um iogurte light ou um tomate. E as dietas no food, em que o objectivo é ficar o máximo de dias sem comer nada. E há até quem faça concursos nos sites, a ver quem aguenta mais dias sem comida.

E depois há o incentivo. Em momentos em que a força de vontade os abandona, encontram nestas comunidades alguém que lhes recorda as vantagens de estar magro e de como «a comida não serve para nada, a prova é que se transforma em dejectos». «A anna e a mia são as tuas melhores amigas. Não te traem como a comida», afirmam.

«Já estive oito dias sem comer»

Vivem obcecados por emagrecer, contam as calorias que ingerem e tentam esquecer a fome. Nos momentos de desespero, viram-se para os sites e comunidades virtuais pró-anorexia e bulimia.

Saiba o que sofre quem vê a vida regida pelos disturbios alimentares, nas mensagens escritas pelos anorécticos e bulímicos:

«Quero morrer.... não sei porquê, mas quero. Preciso voltar aos meus 40 quilos, PRECISO!!!! Não aguento mais suportar esses 50 quilos. Porque é que tem de ser assim?»
«Maldita comida, parece droga, vicia. Odeio comer, odeio engordar, odeio comida, odeio... Quero ficar a parecer um esqueleto só de raiva».

«Domingo à noite, mais uma semana que termina... Uma semana de fracasso, de lágrimas e cortes na minha pele. Nova tentativa de suicídio, fracassada também... Não sirvo nem para me matar... Mas fazer o quê? A vida é assim. Um dia perde-se, no outro ganha-se... muitos quilos».

«Sendo uma esteticista posso dizer o quão nojento é ver uma pessoa gorda sem roupa. Portanto annas e mias, não desistam. Não somos doentes somos felizes».

«Sinto os meus batimentos cardíacos fracos e a capacidade dos meus pulmões meio reduzida. Não é agradável, mas é necessário, embora eu saiba que posso morrer antes, quero chegar aos 35 quilos».

«Já fiquei oito dias sem comer nada. Foram várias vezes. Depois, o corpo não vai aguentar uma quantidade estúpida de comida».

«As vezes, fico a pensar: «o que é que estou a fazer comigo? Mas não consigo deixar de ser assim, não posso. Doce ilusão!»

Estes são apenas alguns dos muitos testemunhos que podem ser encontrados nos sites pró-anorexia e bulima.

Doenças que podem levar à morte

«Ainda não consigo acreditar, não quero acreditar que já não estás aqui! Sinto uma culpa por tudo isto, afinal, tivemos um começo juntas. Maldita anna, mil vezes maldita! Se eu pudesse ter feito algo...». Este é um testemunho deixado num blog pró-anorexia, escrito por uma jovem brasileira cuja amiga tinha acabado de morrer vítima da doença.

As annas e as mias sabem que os distúrbios alimentares de que sofrem podem levar à morte. Vêem morrer amigas, familiares, pessoas das comunidades virtuais que frequentam e figuras públicas, mas não conseguem parar de fazer tudo para emagrecer.

«A morte da Patrícia fez-se pensar muito, e muito mesmo. Por isso desapareci do blog. Até aonde as coisas podem chegar?», questionava-se a mesma jovem, uns dias depois. Mas a compulsão continuou e no blog pode ler-se o esforço que continuou a fazer para ser magra, «para atingir a perfeição».

«Li num blog a notícia da morte de uma das meninas que participavam de lá. Uma que morreu pela anna... Fiquei a pensar umas coisas sobre mim, a minha mãe, a minha família, os meus amigos, os meus amores... veio tudo de uma vez só à cabeça e quase pirei...

Eu sei que estou quase no mesmo caminho... essas tonturas, dores de cabeça, o corpo que rejeita a comida por natureza sem forçar o vómito... a pressão baixa, a gastrite... até essa gripe de duas semanas eu sei que é por causa da anna, mas eu não consigo parar porque quero ser magra, não quero ser como essas porquinhas da vida que se acham lindas... Eu tenho direito de ser feliz!

Fico triste por saber que a anna mata, maldita!!!!!!! Estou revoltada porque quero sair desta situação, mas a anna mostra a minha vida como uma ponte... ela diz: atravesse a ponte até a cura, mas olha quem está lá à espera... O monstro «Engordar»... E fica essa palavra a martelar minha cabeça o dia inteiro... por isso é difícil sair desta vida. Enquanto eu tiver forças, vou até meu limite».

in PortugalDiário


http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=757749&div_id=291
http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?div_id=291&id=757742

6 Comments:

Blogger Ivar C said...

tenho acompanhado estas reportagens no PortugalDiário. Acho que já te disse qualquer coisa parecida com isto, mas apesar de gostar muito do jornal, os comentários abertos ao público em geral incomodam-me. Não consigo ser tolerante ao ponto de aceitar que um ignorante qualquer tenha espaço para dizer coisas do tipo: "Querem morrer? Na boa. Poupa-se na comida e para mais o planeta tá superlotado e desde que haja voluntarios como esta para aliviar o peso, optimo"
Pronto, mas se calhar é defeito meu...

04 janeiro, 2007 21:38  
Blogger Cristy said...

Concordo perfeitamente contigo. Mas esta coisa da liberdade de expressão é assim... imagina então aqueles que têm de ser cortados... dizem-se coisas terríveis!

04 janeiro, 2007 21:58  
Blogger Diana said...

Apesar do tema...Parabéns pelas peças e pela dedicação ao serviço que prestas, informar sobre o que se passa...So nao sabe nem ve quem nao quer saber ou ver...

05 janeiro, 2007 01:46  
Blogger Diana said...

Já agora és a minha jornalista preferida...tb tinha de ser né..lol

05 janeiro, 2007 01:47  
Blogger Clau said...

E a minha também...ehehehhe ;-)

05 janeiro, 2007 14:33  
Blogger Ivar C said...

Cristy, o conceito de liberdade de expressão, na minha opinião, está ligado directamente ao nosso sistema político e à forma como ele se relaciona com os media (ou algo parecido com isto). Não implica que se tenha que dar voz a quem não está intelectualmente habilitado para opinar sobre o assunto. Talvez até, num âmbito mais alargado, esse conceito se possa estender à necessidade de formar o maior número possível de indivíduos, de forma a que possa existir esta discussão pública.
Não sei, acho triste estar a ler comentários num jornal diário online, e ter a sensação que estou a ler os comentários feitos na porta da casa de banho dum café qualquer nos subúrbios de Marco de Canaveses.
Mas sim, nem imaginava que apagavam comentários… deve ser giro. beijos ;)

08 janeiro, 2007 16:08  

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